Quando alguém da família começa a apresentar sinais de perda de autonomia — seja por uma doença neurológica, deficiência intelectual ou condição grave de saúde — é comum surgir a dúvida: como posso ajudá-lo legalmente?
A resposta pode estar na curatela, uma medida judicial que permite a outra pessoa (o curador) tomar decisões em nome de quem não consegue mais gerir plenamente sua vida civil (o curatelado). Mas para garantir essa proteção sem cometer excessos, é preciso entender bem o que é a curatela, quando ela é necessária e quais são os seus tipos.
O que é curatela?
Curatela é o instrumento jurídico pelo qual um juiz autoriza alguém (normalmente um familiar) a representar legalmente uma pessoa maior de idade que não tem plena capacidade de tomar decisões — seja de forma total ou parcial. É um mecanismo de proteção, e não de punição, usado para salvaguardar os interesses da pessoa vulnerável.
A curatela é prevista nos artigos 1.767 a 1.783 do Código Civil, e passou por mudanças significativas após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que estabeleceu a curatela como medida excepcional e proporcional, voltada apenas para os atos que a pessoa efetivamente não consegue praticar.
Quando a curatela é necessária?
A curatela pode ser pedida sempre que uma pessoa não tiver condições de entender ou se responsabilizar pelos próprios atos civis. Os casos mais comuns envolvem:
- Idosos com Alzheimer, Parkinson ou demência em estágio avançado;
- Pessoas com deficiência intelectual moderada ou grave;
- Adultos em coma, estado vegetativo ou com limitações severas após acidente ou AVC;
- Pessoas com dependência química ou transtornos mentais graves (esquizofrenia, psicose etc.);
- Pródigos (pessoas que dissipam seu patrimônio de forma irresponsável), desde que o risco esteja comprovado.
Exemplo prático: imagine um senhor de 75 anos, diagnosticado com Alzheimer em estágio avançado, que começa a esquecer compromissos, faz empréstimos repetidos e não reconhece mais os próprios filhos. Seus familiares percebem que ele está vulnerável e pode ser alvo de golpes ou tomar decisões que o prejudiquem. Nessa situação, o caminho correto é entrar com um processo de curatela.
Quais os tipos de curatela?
A curatela pode ser classificada de duas formas principais:
1. Curatela provisória
É concedida de forma urgente, antes da conclusão do processo principal, quando há risco iminente à saúde, ao patrimônio ou à dignidade da pessoa. É comum nos casos em que a família precisa de uma autorização rápida para movimentar conta bancária, pagar contas médicas ou impedir danos.
2. Curatela definitiva
Concedida ao final do processo, após a produção de provas, laudos médicos, parecer do Ministério Público e sentença judicial. É mais abrangente e detalha exatamente quais atos o curador poderá praticar.
Além disso, a curatela pode ser:
- Total, quando abrange todos os atos da vida civil (em casos de incapacidade plena);
- Parcial, quando a pessoa ainda possui alguma autonomia, e o juiz restringe a curatela a determinados atos, como movimentações financeiras ou decisões patrimoniais.
O juiz também pode nomear curadores substitutos, prever prazos de reavaliação e estabelecer que certas decisões dependam de autorização judicial prévia (como a venda de bens).
Curatela impede a pessoa de viver com dignidade?
Não. Após o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a curatela deixou de ser um mecanismo de retirada de direitos e passou a ser um instrumento de apoio e proteção. A pessoa curatelada continua com sua personalidade civil preservada e mantém direitos como votar, casar, trabalhar, estudar, entre outros — salvo nos casos em que o juiz restringir expressamente e com justificativa.
Quem pode ser curador?
Preferencialmente, o cônjuge, companheiro, filhos ou pais. Em sua ausência, irmãos ou outros parentes próximos. Se não houver familiares disponíveis ou adequados, o juiz pode nomear um terceiro de confiança ou até o curador público.
O curador precisa:
- Ser maior de idade;
- Estar em pleno exercício de seus direitos civis;
- Demonstrar idoneidade;
- Ter vínculo ou compromisso real com a pessoa curatelada.
Considerações finais
A curatela é uma medida sensível e necessária para proteger quem não pode se proteger sozinho. Mas deve ser aplicada com cautela, respeito e amparo legal. Não se trata de “tomar a vida do outro para si”, mas de garantir que essa vida continue sendo vivida com dignidade, segurança e justiça.
Se você está considerando pedir a curatela de um familiar ou tem dúvidas sobre o processo, é fundamental contar com orientação jurídica qualificada. Um pedido mal feito pode gerar atrasos, prejuízos e até exposição desnecessária da pessoa que se busca proteger.