Após a separação, muitos pais enfrentam uma situação delicada: a criança começa a resistir ou se recusa a visitar o outro genitor. Em alguns casos, o filho chora, evita o contato ou expressa desconforto com as visitas. Isso gera dúvidas importantes: até que ponto deve-se insistir? A criança pode decidir sozinha? Há algo de errado acontecendo?
Neste texto, você vai entender como a Justiça trata esse tipo de situação, quais são os deveres dos pais e o que fazer quando a recusa persiste.
- A convivência é um direito da criança, não só dos pais
A legislação brasileira, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trata o convívio familiar como um direito fundamental da criança. Isso significa que tanto o pai quanto a mãe têm o dever de manter vínculos com o filho, mesmo após a separação, e a criança tem o direito de manter essa convivência com ambos os lados da família.
- A recusa deve ser levada a sério — mas também precisa ser compreendida
Nem toda recusa indica algo grave. Em muitas situações, trata-se de uma fase passageira, ligada a sentimentos de insegurança, medo do novo ou até ciúmes da presença de outros membros da nova família do genitor. No entanto, há casos em que a recusa pode ser sintoma de situações mais profundas, como:
- Mudanças bruscas de rotina;
- Dificuldade de adaptação após a separação;
- Conflitos parentais intensos;
- Alienação parental;
- Violência, maus-tratos ou negligência;
- Falta de vínculo com o genitor não guardião.
É por isso que cada caso deve ser analisado com cautela, ouvindo a criança, observando sinais e, quando necessário, buscando apoio profissional.
- A criança pode se recusar a visitar por conta própria?
Crianças pequenas não têm autonomia legal para tomar decisões sozinhas. Já a partir dos 12 anos, o juiz costuma ouvir a opinião do menor com mais peso, mas isso não significa que a visita possa ser interrompida apenas com base na vontade do filho.
Cabe aos pais, com responsabilidade e sensibilidade, acolher a resistência da criança e buscar compreender a origem do problema, sem simplesmente ceder ou ignorar.
4. O que fazer diante da recusa?
a. Não encoraje nem reforce a rejeição
Mesmo que a criança demonstre resistência, é importante que o genitor que detém a guarda não incentive essa rejeição. Frases como “você não é obrigado a ir” ou “ele(a) nem sente sua falta” reforçam a insegurança e podem configurar alienação parental.
b. Converse com a criança
Procure entender, com escuta ativa e acolhimento, o que está motivando a recusa. Evite pressões ou ameaças. Às vezes, um simples mal-entendido ou uma frustração isolada pode ser o motivo.
c. Tente o diálogo com o outro genitor
Se houver abertura, conversar com o outro responsável pode ajudar a alinhar condutas, esclarecer episódios e melhorar a qualidade da convivência. Ajustes no cronograma, no local das visitas ou na forma de contato podem fazer diferença.
d. Busque apoio psicológico
Acompanhamento psicológico da criança (e eventualmente dos pais) é uma ferramenta essencial para lidar com conflitos emocionais. Além de acolher a criança, o terapeuta pode produzir relatórios que auxiliam judicialmente na reavaliação da convivência.
e. Registre as tentativas de cumprimento
Se você é o genitor que enfrenta resistência por parte do outro responsável, registre suas tentativas de exercer o direito de convivência: mensagens, registros de horários, ausência do menor no ponto de encontro etc. Esses dados são úteis caso a situação precise ser judicializada.
- A convivência pode ser suspensa?
Em casos graves, sim. A suspensão do direito de convivência pode ser determinada judicialmente quando houver risco à integridade física ou psicológica da criança. Isso é comum em situações de abuso, violência, negligência ou quando o contato está causando sofrimento comprovado.
A suspensão pode ser:
- Temporária, com acompanhamento técnico;
- Condicionada a visitas supervisionadas, em local neutro;
- Substituída por contatos não presenciais, como videochamadas.
A decisão é sempre do juiz, com base em provas e parecer do Ministério Público.
- É possível alterar o regime de convivência (as visitas)?
Sim. Se a situação persistir e houver justificativas relevantes, o genitor pode ingressar com ação de modificação do regime de convivência. A Justiça pode avaliar se é o caso de restringir, suspender ou até reorganizar o convívio.
Essa decisão será tomada com base:
- Na escuta da criança (quando possível);
- Em laudos psicológicos e sociais;
- No histórico de relacionamento;
- Na conduta dos pais e impacto sobre o menor.
Conclusão
A recusa da criança em visitar um dos pais é um alerta — e não deve ser ignorado nem banalizado. O direito de convivência é da criança, e preservar vínculos familiares, quando saudáveis, é parte essencial de sua formação.
Se você está passando por isso, o ideal é buscar orientação jurídica e, sempre que possível, apoio profissional especializado. Cada família tem sua história, e cada criança tem seu tempo. A melhor solução é aquela que respeita a individualidade do menor e garante sua segurança, estabilidade e afeto.