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Multiparentalidade: é possível ter mais de dois pais ou mães legalmente reconhecidos?

A multiparentalidade é a possibilidade jurídica de uma pessoa ter reconhecidos mais de dois genitores legais – ou seja, mais de dois pais ou mais de duas mães – no registro civil. Isso pode ocorrer quando há coexistência de vínculos de filiação biológica com vínculos de filiação socioafetiva (afetiva ou de criação) ou quando mais de uma pessoa exerce a função parental de fato.

No Brasil esse instituto ganhou respaldo quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no Recurso Extraordinário nº 898.060 / SC (Tema 622), que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Ou seja: a filiação biológica não exclui a possibilidade de reconhecimento da filiação afetiva; ambos podem coexistir legalmente, gerando efeitos jurídicos no plano da filiação, guarda, alimentos, herança etc.

Como funciona na prática?

  • O filho pode ter dois pais (um biológico e um socioafetivo) ou duas mães (biológica + socioafetiva) no registro civil.
  • Em muitos casos, o cartório aceita o registro extrajudicial com mais de um genitor quando há consenso entre as partes e provas do vínculo.
  • Quando há mais de dois genitores, o direito sucessório, de alimentos, e de convivência pode se estender a todos os reconhecidos. Por exemplo: se há três pais/legalmente reconhecidos, a herança poderá contemplar todos.
  • Há desafios práticos – por exemplo, como partilhar pensão ou herança com múltiplos genitores, ou como registrar formalmente em cartórios que ainda não têm sistemática padronizada para “três pais ou três mães”.

Exemplos de notícias e decisões recentes:

1. No Espírito Santo, uma criança foi registrada legalmente com três pais e uma mãe. O menino, inicialmente registrado com os pais biológicos, passou a ser criado pelos tios paternos, um casal homoafetivo que assumiu integralmente a função parental desde muito cedo. Com base no vínculo afetivo e na convivência contínua, o juiz reconheceu a multiparentalidade e autorizou a inclusão dos dois pais afetivos no registro de nascimento, sem retirar os nomes dos pais biológicos. O menino passou a ter quatro genitores legais. O caso foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em 2022.

2. Em 2023, a Defensoria Pública do Estado do Ceará obteve decisão inédita que permitiu o registro de uma criança com três mães. O caso envolveu um casal homoafetivo feminino que, ao decidir ter um filho por inseminação caseira, convidou uma amiga próxima para ser a gestante. As três mulheres participaram ativamente da gestação, do parto e do cuidado com o bebê desde o nascimento. A Defensoria argumentou que todas exerceram a maternidade de maneira plena e igualitária. A Justiça reconheceu o direito da criança de ter as três como mães, com base na realidade afetiva e no princípio da dignidade da pessoa humana.

3. Em São Paulo, uma mulher conseguiu registrar sua filha com duas mães e um pai. A gestação foi fruto de um projeto parental conjunto entre um casal homoafetivo feminino e um homem amigo das duas, que aceitou participar da concepção e da criação da criança. Desde a gestação, os três planejavam exercer a parentalidade de forma compartilhada. O juiz reconheceu o acordo entre as partes e o vínculo afetivo desde antes do nascimento, autorizando o registro da criança com os três nomes. O caso é considerado um marco por formalizar a multiparentalidade no momento do nascimento. O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) divulgou a notícia em julho de 2025.

4. No Paraná, em 2021, o cartório da cidade de Cascavel registrou um menino com os sobrenomes de três pais: o caso envolveu um trisal, um relacionamento afetivo estável entre três homens, que criava a criança desde o nascimento. O menino havia sido concebido por meio de reprodução assistida com barriga solidária, e desde a gestação os três exerceram o papel de pais igualmente. O pedido de registro com os três sobrenomes foi feito com base no vínculo socioafetivo consolidado. A decisão administrativa foi fundamentada em princípios constitucionais como o afeto, a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança, sem necessidade de processo judicial.

5. Em outro caso noticiado em 2023, uma juíza da comarca de Campos dos Goytacazes (RJ) reconheceu legalmente a paternidade socioafetiva de um padrasto, mantendo no registro civil da criança dois pais: o biológico e o afetivo. A criança, que já tinha o nome do pai biológico, foi criada desde muito pequena pelo atual companheiro da mãe, com quem desenvolveu forte laço afetivo. A magistrada entendeu que excluir o pai biológico seria contrário ao interesse da criança e que o vínculo com o padrasto também merecia reconhecimento jurídico. A sentença foi baseada na jurisprudência do STF e na doutrina da multiparentalidade, assegurando que ambos os pais constassem no registro.

É possível ter “mais de dois” genitores?

Sim, desde que haja reconhecimento formal e critérios jurídicos atendidos (vínculo afetivo, convivência, responsabilidade parental) o filho pode ter mais de dois genitores. No entanto:

a)   Os cartórios e sistemas registram normalmente até dois – mas decisões judiciais e artigos mais recentes falam de “três ou mais genitores”.

b)   O reconhecimento precisa observar o melhor interesse da criança, capacidade dos genitores, e equilíbrio entre direitos e deveres. Segundo a jurisprudência, embora reconhecida, a multiparentalidade “é excepcional, não regra”.

c)   Em casos onde há mais de dois genitores, efeitos como herança, pensão, convivência e registro civil devem ser adaptados, e é altamente recomendável que seja acompanhado por advogado de família para evitar conflitos.

Conclusão e orientação ao final

Portanto, para a dúvida “é possível ter mais de dois pais ou mães legalmente reconhecidos?”, a resposta é: sim, o ordenamento jurídico brasileiro já admite a multiparentalidade, sendo permitido o reconhecimento de três ou mais genitores em determinados casos, desde que bem fundamentado e comprovado.

Se você se encontra nessa situação, deseja incluir mais de um pai/mãe no registro, ou já há mais de dois genitores envolvidos, é fundamental buscar uma advogada especializada em Direito de Família.

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